Pular para o conteúdo principal

Postagens

O JOGO DA VIDA

Na rua deserta uma sacola plástica voa, levada pelo vento. Fico parada, olhando fixamente para a sacola vermelha que contrasta com esta manhã acinzentada. As lembranças de quando era criança invadem minha mente, como sementes que a muito tempo ficaram enterradas, aguardando apenas que alguém ou algo as regasse. Quando criança, eu adorava soltar sacolas nos dias com muito vento, só para ver até onde chegaria. Era como se competisse com o vento, que parecia também gostar da brincadeira, porque levantava a sacola cada vez mais alto. As lembranças chegam tão vívidas que posso até ouvir as risadas das crianças, o cheiro da liberdade e da simplicidade. Sorrio, com ar de saudade. Sinto uma vontade quase incontrolável de correr atrás daquela sacola. Digo quase incontrolável porque no último momento consigo me conter. Limito-me a fechar as mãos, para esconder a minha vontade entre os dedos. Observo a sacola desaparecer no meio das árvores, do outro lado da rua. O dia está calmo e úmid
Postagens recentes

Relatos selvagens:autonomia e responsabilidade

Até que ponto você é livre para ser quem você é? Qual o limite entre a sua culpa e a culpa dos outros em suas decisões? Ás vezes, acredito que já tenha ocorrido com você, nos surpreendemos com nossas próprias ações, agimos de certa forma que não nos imaginávamos capaz de agir. Daí indagar: até que ponto conhecemos a nós mesmos? Até que ponto temos o controle sobre nossas ações e reações? Estes são alguns dos temas tratados em “Relatos Selvagens”, filme argentino de 2014, dirigido por Damián Szifron, que conta seis histórias de pessoas que se encontram no limite do que chamamos “sanidade”. O primeiro relato apresentado pelo filme trata do dilema autonomia e responsabilidade. Sartre, filósofo francês do século passado, afirmava que somos condenados a ser livres e, neste contexto, somos totalmente responsáveis por quem nos tornamos. Segundo o filósofo, tomamos diversas decisões ao longo da vida, as quais apresentam sempre mais de um caminho possível, portanto, a escolha do percurso é

Filosofia e Cinema: Inception

Cotidianamente somos bombardeados por padrões, por normas, por modelos. Aprendemos a estabelecer limites e prioridades, somos ensinados a separar e hierarquizar as tarefas, nos tornamos servos do relógio, da aparência, das normas, ou para usar uma expressão de Foucault vivemos na ditadura da beleza e na ditadura do relógio. Até mesmo os sonhos foram padronizados, o que se entende por felicidade vem hoje embrulhado dentro de caixas ou se encontra em certos lugares que aceitam cartão de crédito. Dentro do turbilhão de tarefas do cotidiano falta tempo para uma respiração mais profunda, calma e intensa. E quando finalmente se tem um tempo livre, vem a necessidade de preenche-lo com algo, afinal há muito o que se ver, lugares diferentes a se visitar, caminhos para serem experimentados, situações a serem vividas. Nada contra em se ter novas experiências, se isso vier junto com o olhar para dentro de si mesmo, aquela “dangerossíssima tarefa” de que já falava Drummond. Neste sentido, muit

A sociedade do fala que eu não escuto

Na sociedade de hoje, as informações circulam com uma velocidade avassaladora, assim como as opiniões. Todo mundo tem algo para dizer sobre tudo, o que seria muito interessante se não fosse a falta de percepção e análise sobre aquilo que se fala e sobre aquilo que o outro diz. Quando uma notícia aparece na mídia, imediatamente, começam a brotar opiniões de todos os lados, mesmo antes da reportagem acabar. As pessoas, ou melhor, grande parte das pessoas (generalizações são perigosas!) não se permitem digerir a notícia, ruminar a informação. Isso mesmo, ruminar. Assim como vários animais fazem com o alimento, nós precisamos fazer com a informação: regurgitar e novamente mastigar. Muitos apressadinhos não permitem nem mesmo que a informação passe para o aparelho digestivo, basta cheirar a notícia para extrai dela as mais convictas posições. Daí nascerem diversos e perigosos erros. O fato de existir uma chuva de conclusões sem uma análise mais apurada dos fatos, já é suficiente par

A ESPERA

A ESPERA Ele estava parado aguardando o ônibus como fazia todo dia de manhã. O dia amanhecera calmo e úmido. Hoje vai chover, pensava consigo mesmo enquanto verificava se estava com o guarda-chuva dentro da mochila. Não havia ninguém na rua, apenas o vento passeava naquela manhã, um vento gelado e contínuo. Ele fechou  o casaco enquanto observava o balançar das folhas das árvores, pareciam que dançavam, uma espécie de espetáculo da natureza. Reparou que quando o vento vinha mais forte algumas folhas caiam no chão, assim como algumas flores, e aquilo dava um colorido especial para as calçadas, como um tapete para enfeitar o caminho daqueles que passam apressados. Sorriu para si mesmo ao pensar na poesia por trás deste seu pensamento. Mas logo se lembrou que poucos seriam aqueles que teriam a capacidade de contemplar aquele presente. A natureza enfeita nosso caminho e nós nem mesmo paramos um minuto para contemplar, pensou ao olhar para as árvores que agora balançavam com mais for

FAZER MÚSICA

FAZER MÚSICA Você já parou para pensar na expressão “fazer música”? Eu faço casas, eu faço bolo, eu aviões. E você? Eu "faço música"! Até pouco tempo atrás eu não sabia o que era “fazer música”. Não sei porque comecei a pensar nisso agora. Me lembro que a uns dias atrás vi uma reportagem sobre um cantor e compositor. Me recordo que a reporter perguntou se ele estava fazendo muitos shows e ele respondeu que não muitos, porque estava mais concentrado em “fazer música”. Pensei comigo: o que significa “fazer música”? Será que eu consigo? Seria eu capaz de criar a minha música? Passei a maior parte da minha vida ouvindo o barulho dos outros ou presa demais ao mundo visual para conseguir parar e tentar encontrar o meu ritmo. Como eu poderia fazer música se eu não conseguia nem mesmo ouvir com clareza! Imagine quantas pessoas se acostumaram a viver sem música. Digo se acostumaram porque este não é o estado natural do ser humano. Qual foi a última vez que você fechou os

A DANÇA

Dois corpos embalados pela música e pela noite dançavam juntos. Ela pousou a mão delicadamente no pescoço dele, fechou os olhos e deixou-se levar pelo calor daquele corpo. Ele deitou o rosto nos cabelos dela, enlaçou-a pela cintura, torcendo para que a música não acabasse nunca. Os dois seguiam o mesmo embalo, sem se importar com o ritmo. A música era deles. As pernas se entrelaçavam, os pés não se davam o trabalho de sair do chão. A mão dele foi a procura da mão dela. Os dedos se acariciaram, brincaram de se enroscar, até que as duas mãos em posição de concha se entrelaçaram, criando uma só forma. Ela levantou um pouco o rosto, o suficiente para se olharem e vagarosamente deixaram os lábios se encontrar. As línguas e os sabores se misturaram, as cabeças ditavam o ritmo, as mãos deslizavam, como uma coreografia inconsciente. Aos poucos os braços se acalmaram, as cabeças pararam de girar, mas as bocas não conseguiam se desgrudar. Com os lábios ainda juntos, os dois corpos di