Pular para o conteúdo principal

A DANÇA


Dois corpos embalados pela música e pela noite dançavam juntos. Ela pousou a mão delicadamente no pescoço dele, fechou os olhos e deixou-se levar pelo calor daquele corpo. Ele deitou o rosto nos cabelos dela, enlaçou-a pela cintura, torcendo para que a música não acabasse nunca.
Os dois seguiam o mesmo embalo, sem se importar com o ritmo. A música era deles. As pernas se entrelaçavam, os pés não se davam o trabalho de sair do chão.
A mão dele foi a procura da mão dela. Os dedos se acariciaram, brincaram de se enroscar, até que as duas mãos em posição de concha se entrelaçaram, criando uma só forma.
Ela levantou um pouco o rosto, o suficiente para se olharem e vagarosamente deixaram os lábios se encontrar. As línguas e os sabores se misturaram, as cabeças ditavam o ritmo, as mãos deslizavam, como uma coreografia inconsciente.
Aos poucos os braços se acalmaram, as cabeças pararam de girar, mas as bocas não conseguiam se desgrudar. Com os lábios ainda juntos, os dois corpos dividiam a mesma respiração e sentiam a perfeição que se revela naqueles segundos silenciosos nos quais respiramos fundo e um sorriso espontâneo nasce e cresce sem precisar de explicação.
Sabiam que um dia a música acabaria, mas até lá estariam assim, dançando, de mãos dadas até o futuro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filosofia e Cinema: Inception

Cotidianamente somos bombardeados por padrões, por normas, por modelos. Aprendemos a estabelecer limites e prioridades, somos ensinados a separar e hierarquizar as tarefas, nos tornamos servos do relógio, da aparência, das normas, ou para usar uma expressão de Foucault vivemos na ditadura da beleza e na ditadura do relógio. Até mesmo os sonhos foram padronizados, o que se entende por felicidade vem hoje embrulhado dentro de caixas ou se encontra em certos lugares que aceitam cartão de crédito. Dentro do turbilhão de tarefas do cotidiano falta tempo para uma respiração mais profunda, calma e intensa. E quando finalmente se tem um tempo livre, vem a necessidade de preenche-lo com algo, afinal há muito o que se ver, lugares diferentes a se visitar, caminhos para serem experimentados, situações a serem vividas. Nada contra em se ter novas experiências, se isso vier junto com o olhar para dentro de si mesmo, aquela “dangerossíssima tarefa” de que já falava Drummond. Neste sentido, muit...

Um lado da mesa

Na última vez que nos reunimos, me lembro muito bem, estava uma noite estrelada, era possível fechar os olhos e sentir uma brisa suave acariciar o rosto. Caminhávamos lentamente, sem pressa para chegar. Às vezes parávamos e observávamos as pessoas ao redor, sempre tão apressadas, sempre tão ausentes. As pessoas me fascinam, gosto de pensar que elas realizam uma espécie de dança inconsciente. Os passos marcados, os espaços delimitados e quando um dos dançarinos erra a passada alguém sempre acaba se machucando. As pessoas são contradições em busca da felicidade. Essa busca absurda sempre me faz rir. Na verdade nunca entendi esta lógica: o ser humano sempre diz que quer alcançar a felicidade, mas nem ao menos entende o que isso significa. Eles ainda precisam entender o real sentido de tudo isto. Mas, nem olhe para mim, eu não sou a melhor escolha para obter esta explicação. E, mesmo que soubesse, não contaria. Não quero que tudo perca a graça. Um dos meus melhores passatempos é ob...

Bambolê

O bambolê girava de modo preciso. Pernas, braços, cintura, em uma sincronia impressionante. Um balé de cores, luzes e brilhos. A cada movimento mais ousado o público deixava de respirar, para em seguida soltar um suspiro de alívio. Aplausos, aplausos. Todos deslumbrados com a beleza do espetáculo. E por estarem preocupados demais com o rebolar dos bambolês, não foram capazes de perceber as lágrimas que faziam escorrer a maquiagem. Não repararam na tristeza daquele sorriso, no abandono daquele corpo envolto em bambolês.             Se alguém entrasse no teatro depois daquele espetáculo, observaria o silêncio dos aplausos, a escuridão das luzes e os vários bambolês coloridos jogados ao chão, enfeitando um belo corpo moreno.