A ESPERA
Ele estava parado aguardando o
ônibus como fazia todo dia de manhã. O dia amanhecera calmo e úmido. Hoje vai
chover, pensava consigo mesmo enquanto verificava se estava com o guarda-chuva
dentro da mochila. Não havia ninguém na rua, apenas o vento passeava naquela
manhã, um vento gelado e contínuo. Ele fechou
o casaco enquanto observava o balançar das folhas das árvores, pareciam
que dançavam, uma espécie de espetáculo da natureza. Reparou que quando o vento
vinha mais forte algumas folhas caiam no chão, assim como algumas flores, e
aquilo dava um colorido especial para as calçadas, como um tapete para enfeitar
o caminho daqueles que passam apressados. Sorriu para si mesmo ao pensar na
poesia por trás deste seu pensamento. Mas logo se lembrou que poucos seriam
aqueles que teriam a capacidade de contemplar aquele presente. A natureza enfeita
nosso caminho e nós nem mesmo paramos um minuto para contemplar, pensou ao
olhar para as árvores que agora balançavam com mais força. Se o ônibus não
estivesse atrasado eu também não teria reparado nessas folhas caídas, nessas flores
quase sem pétalas, disse para si mesmo quase em voz alta, enquanto olhava mais
uma vez para o relógio. A vida não deixa muito tempo para poesia, principalmente
aquelas que são criadas pela natureza.
Na rua deserta uma sacola
plástica passou levada pelo vento, era uma sacola vermelha, que subia e descia
no ar, como se estivesse em uma brincadeira. Ele ficou parado, olhando
fixamente para a sacola vermelha que contrastava com aquela manhã acinzentada,
aos poucos as memórias foram brotando, como sementes que a muito tempo ficaram
enterradas aguardado apenas que alguém ou algo as regasse. Lembrou-se que
quando era criança, ele e seus amigos, adoravam soltar sacolas nos dias com
muito vento para ver quem conseguia pegá-las primeiro. Era como se competissem
não entre si, mas sim com o vento, que parecia também gostar da brincadeira,
porque levantava as sacolas cada vez mais alto. As lembranças vieram tão forte
à sua mente que pode até ouvir as risadas das crianças, pode sentir o cheiro da
liberdade e da simplicidade. Teve uma vontade quase incontrolável de correr
atrás daquela sacola vermelha. Digo quase incontrolável porque no último
momento conseguiu se conter, limitou-se a fechar as mãos, como se escondesse
sua vontade entre os dedos. Parado, ali naquele ponto de ônibus viu a sacola se
afastar e progressivamente desaparecer no meio das árvores que formavam uma
pequena praça quase ao final da rua.
Olhou para o relógio. O ônibus
estava realmente atrasado. E a chuva se aproximava, o céu agora estava tomado
de nuvens cinzas e cada vez mais pesadas. A rua continuava deserta. Onde estaria
todo mundo, pensou consigo mesmo. Verificou mais uma vez o relógio, foi então
que reparou que o relógio estava parado. Ficou por alguns segundos olhando para
o pulso, como se tentasse entender o que tinha ocorrido, afinal o aparelho era
relativamente novo. Abriu a mochila e pegou o celular, sem bateria. Sentiu-se
perdido. Olhou para um lado e depois para o outro na esperança de encontrar
alguém, mas nada, tudo estava vazio e silencioso.
Aos poucos começou a sentir
pingos de água que molhavam seu casaco, eram pingos grandes e esparsos. Foi se
abrigar embaixo do ponto de ônibus, a chuva agora começava a engrossar, o vento
levava finos jatos de água para todas as direções, em pouco tempo estaria
completamente molhado. Começou a desesperar-se. A chuva formava uma cortina
branca tão densa que já não era possível ver o outro lado da rua. Pensou em
voltar para a casa, mas a chuva estava muito forte, de qualquer forma
precisaria esperar um pouco.
O vento soprava cada vez mais
gelado, a roupa úmida aumentava a sensação de frio, as árvores balançavam
incontrolavelmente, temeu que algum galho pudesse cair sobre o ponto de ônibus.
Mas o que poderia fazer? Não tinha mais onde se abrigar. Cruzou os braços como
se abraçasse a si mesmo, na tentativa de se aquecer e de se acalmar. A chuva
diminuiu levemente, já era possível ver as árvores do outro lado da rua. Foi
então que percebeu que havia alguém do outro lado, no primeiro momento não pode
ver ao certo, mas assim que a chuva foi diminuindo pode ver um menino sentado
embaixo de uma das árvores, o pequeno vestia uma blusa vermelha e parecia
brincar com alguns galhos.
Nossa, um menino no meio desta
chuva, pensou assustado enquanto tentava ver se havia mais alguém com aquela
criança. Ninguém. Era só ele e o menino no meio daquele temporal. Foi então que
percebeu uma luz se aproximando, assustou-se, era o ônibus que enfim chegava. Fez
sinal para que o ônibus parasse e quando o motorista abriu a porta perguntou
sobre as horas. São 07:15, respondeu o motorista. Se perdesse aquele ônibus
chegaria atrasado ao trabalho e hoje teria uma reunião muito importante, mas e
o menino do outro lado da rua? Alguém precisava ajudá-lo, provavelmente estava
todo molhado e com frio, pensava consigo mesmo enquanto tentava resolver o
dilema no qual se encontrava. O motorista, percebendo a indecisão disse em voz
alta, você sobe ou não? Como em um impulso o homem subiu, teve vontade de falar
para o motorista sobre o menino do outro lado da rua, mas não sabia o que
dizer. O ônibus estava vazio. Sentou-se em uma das poltronas enquanto o
motorista acelerava. Olhou pela janela e lá estava o menino, que agora não mais
brincava, parecia encara-lo e assim que o ônibus começou a se mover, o menino
abriu um sorriso e acenou, com carinho e até com certa saudade, como se
estivesse se despedindo de alguém muito querido. O homem não acenou de volta,
limitou-se a olhar para o menino, sem entender muito bem o que se passava. Sentiu
um pingo de água escorrer pelo rosto e pousar no casaco encharcado. Se alguém
estivesse vendo esta cena poderia supor que a gota que escorrera era apenas mais
uma causada pela chuva lá fora, mas o homem sabia, de algum modo, que aquele
não era um simples pingo de chuva, era um pingo de sonho que escorria devagar.
São nos pequenos contos cotidianos que encontramos as melhores histórias. E são essas pequenas histórias, que muitas vezes só nossas, quase que como num pequeno segredo entre o Universo e a gente, é que sinto despertarem as mais puras faíscas de sonho e de poesia que a vida, graciosamente, divide conosco, como quem quer nos mostrar, de maneira singela e poética, que somos especiais. Acho lindo isso... chamo de Serendipity. Obrigada, Thaty! Beijo no coração!
ResponderExcluirMuito obrigada pelo comentário!!! Você escreve muito bem!!!!É muito bom manter contato com você, mesmo que seja apenas via internet! beijos!!!
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