Até que ponto você é livre para ser quem você é? Qual
o limite entre a sua culpa e a culpa dos outros em suas decisões? Ás vezes,
acredito que já tenha ocorrido com você, nos surpreendemos com nossas próprias
ações, agimos de certa forma que não nos imaginávamos capaz de agir. Daí
indagar: até que ponto conhecemos a nós mesmos? Até que ponto temos o controle
sobre nossas ações e reações? Estes são alguns dos temas tratados em “Relatos
Selvagens”, filme argentino de 2014, dirigido por Damián Szifron, que conta
seis histórias de pessoas que se encontram no limite do que chamamos
“sanidade”.
O primeiro relato apresentado pelo filme trata do
dilema autonomia e responsabilidade. Sartre, filósofo francês do século
passado, afirmava que somos condenados a ser livres e, neste contexto, somos
totalmente responsáveis por quem nos tornamos. Segundo o filósofo, tomamos
diversas decisões ao longo da vida, as quais apresentam sempre mais de um
caminho possível, portanto, a escolha do percurso é responsabilidade de cada um.
Assim, se a minha vida hoje é algo prazeroso ou tedioso, a culpa é única e
exclusivamente minha. No entanto, o fardo da liberdade é muito pesado, por isso
procuramos dividir nossa culpa com o outro, representado pela figura dos pais,
professores, amigos, religião, escola, entre tantos outros. Deste modo, criamos
a ilusão da divisão da culpa para tornar nossas vidas menos pesadas e, arrisco
até a dizer, viabilizar a convivência com nós mesmos.
Estaria Sartre correto? As brincadeiras ofensivas
sofridas na escola, as traições amorosas, os pais que refletem no filho suas
próprias ambições, as decepções acadêmicas não seriam responsáveis por criar
transtornos irremediáveis, que levariam a uma vida miserável e fracassada?
Segundo o personagem do primeiro relato a resposta para esta questão seria
afirmativa e, por isso, ele procura se vingar de todos aqueles que, segundo
ele, foram responsáveis por seu destino. E, a única forma de eliminar todos os
fantasmas do passado é se eliminar também, afinal ele não quer assumir a
responsabilidade e sofrer as consequências pelo ocorrido. Como é difícil
assumir a responsabilidade! Procuramos desesperadamente fugir dela, por
exemplo, quando alguém chega atrasado e é questionado sobre o fato raramente
ouvimos um “desculpe, realmente estou atrasado”, primeiro se fala que a culpa
foi do trânsito, o ônibus que atrasou, o relógio que não despertou. Do mesmo
modo, o aluno que não foi bem em uma prova tende a transferir a culpa, sendo
comum ouvir a frase: “o professor me deu três na prova”, como se ele, aluno,
não fosse o agente da ação. Estes são apenas dois exemplos entre diversos
outros que nos rodeiam.
O problema é que ao não aceitarmos nossa
responsabilidade pelos erros nos afastamos da possibilidade de evitá-los em
outras ocasiões. Daí muitas pessoas migrarem de um relacionamento a outro, de
um lugar para o outro em uma ânsia incessante de procurar a felicidade, no
final percebem que os problemas continuam os mesmos e logo arrumam as malas
novamente para procurar outros caminhos. O que estas pessoas não percebem é que
carregam dentro das malas as causas do infortúnio, ao não assumir a
responsabilidade pelos erros os carregamos por toda parte e isto dificulta
encontrar o acerto.
Devemos, então, nos culpar por tudo que acontece? Garanto
que isto, no mínimo, transformaria a vida em algo insuportável. Por outro lado,
não podemos nos desprender totalmente da responsabilidade. E, assumir a culpa
não deve ser visto como uma forma de ressentimento, que diminui o ser humano
perante o mundo, aos moldes do que tratou Nietzsche no conceito de “moral de
escravo”, mas como uma forma de procurar soluções, de olhar para o labirinto de
si mesmo e procurar remover os obstáculos, dentro do possível, é claro. Afinal,
podemos fugir de tudo, menos de nós mesmos.
Observação: O segundo tema tratado
no filme Relato Selvagens é a
vingança. A vingança compensa? Qual a diferença entre vingança e justiça? Em
breve publicarei um texto no blog sobre o segundo relato selvagem.
genial
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