Os mandamentos
1o. Lavar a louça sobre todas as coisas.
Viver com outras pessoas não é fácil, ainda mais quando são mulheres. Não quero parecer preconceituosa, afinal também sou mulher, mas não é segredo para ninguém que as mulheres possuem manias, preocupações e complicações que nem elas aguentam. Imagine onze mulheres vivendo sobre o mesmo teto, agora imagine que são estudantes universitárias, passando por diversos momentos de transição, seja no campo profissional, emocional, social ou financeiro, assim é possível ter uma noção do que aconteceu por trás das paredes daquela república, coisas que mesmo Deus duvida.
Para ter uma convivência mais tranquila e evitar possíveis danos (psicológicos e físicos) é preciso seguir certos mandamentos, os quais eu aprendi na prática e agora passo para você. Se seguir os mandamentos com certeza conseguirá viver em uma república sem enlouquecer.
Um dos pontos principais diz respeito à louça suja. Nunca ouse deixar uma panela, prato ou mesmo um copo sujo sobre a pia, isso pode ocasionar combates mortais. E não há desculpas, não adianta tentar se defender afirmando que “mais tarde eu iria lavar” ou “deixei de molho para amolecer a sujeira”, nada do que você disser vai livra-lo da culpa e das famosas frases “Em uma república com onze meninas, se cada uma decidir deixar um copo, um prato ou um garfo sujo, a pia ficaria uma nojeira” ou então “esse copo e esse prato estão atrapalhando a utilização da pia”, entre outros dizeres que envolvem palavras de baixo calão, agressões verbais e olhares furiosos.
Quem deixa a louça suja sobre a pia, ou pior sobre a mesa (de vez em quando aparecia uma panela com um pouco de molho de tomate e os restos mortais de uma salsicha, que enfeitavam a mesa com pequenos pontos avermelhados, ou mesmo um prato que guardava os indícios da presença de um pão com manteiga) precisa aguentar uma enxurrada de indiretas. Não sei bem porque, mas a maior parte das mulheres gosta de jogar uma indireta, mesmo quando sabe quem é o culpado, ou melhor dizendo, principalmente quando sabe quem é o culpado. Se alguém encontra uma panela de molho de tomate suja sobre a mesa, com certeza diria “nossa, deixaram uma panela suja na mesa”, mesmo que a acusadora tivesse anteriormente flagrado a criminosa no momento em que ela comia o macarrão.
As indiretas não são apenas verbais, existem também os bilhetinhos. Os temíveis e perseguidores bilhetinhos. As meliantes que deixam a louça suja na cozinha, ou as ainda mais ousadas que deixam na sala de televisão, recebem implacáveis bilhetinhos escritos em post it, alguns assinados e outros anônimos, no estilo “eu sei o que vocês fizeram no verão passado” ou melhor “eu sei o que você comeu na refeição passada”. Nenhum bilhetinho diz o nome do destinatário, usam geralmente pronomes como por exemplo, “você que deixou a panela de arroz sobre a pia, por favor retire”, outros são mais incisivos “quem foi a porca que deixou o prato com restos de carne, que nojo”, outros possuem características ameaçadoras “Se quem usou aqueles copos não lavar, vai sofrer retaliações”. Cuidado, as retaliações são perigosas, envolvem o confisco de utensílios de cozinha, o risco de ter um monte de louça suja jogada sobre a cama ou outros acontecimentos nada agradáveis.
Certa vez cheguei em casa com muita fome e fui preparar um almoço rápido, havia outra meninas também preparando o almoço e quando fui pegar uma panela, SURPRESA! Praticamente todas haviam sido confiscadas em represaria. As únicas panelas que restaram estavam sendo usadas. E agora, como preparar o almoço? Procurei nos armários de copos e pratos na esperança de que alguma panela tivesse conseguido escapar do aprisionamento. Mas toda a procura foi e vão. Mesmo os copos e pratos sofreram baixas, poucos conseguiram escapar.
Dentro do armário de panelas havia restado apenas uma leiteira. Uma pequena e solitária leiteira. Sem ter outra opção usei-a para cozinhar um macarrão. Nesse dia meu humor ficou ótimo, eu estava espancando até mesmo as moscas desavisadas que passavam por mim. E eu não era a única. Outras meninas chegaram depois para almoçar e não encontraram nem mesmo a leiteira disponível. Imagine a cena, várias meninas famintas brigando por causa de panelas, pratos, garfos e facas. Depois daquele almoço todas tinham um pensamento em comum: descobrir quem raptou os utensílios de cozinha.
Por sorte, no dia seguinte os utensílios reapareceram junto com um bilhetinho explicando que o confisco foi um protesto contra as louças sujas que ficavam na pia. Concordo que as pessoas possuem direito de protestar, mas precisava ser na hora do meu almoço? Nesse dia eu participei da batalha verbal, quase houve um linchamento em praça pública, mas no final todas se entenderam (ou quase isso) e assinaram um acordo de paz, no qual estava estipulado que antes de haver qualquer confisco seria preciso apurar e descobrir quem eram as culpadas pela louça suja, afinal quem lavava a louça não poderia pagar pelos erros alheios. No entanto esse foi um pacto vazio que não durou nem um mês.
Entre os itens frequentemente confiscados também estão os potinhos e vasilhas de plástico. Quando não eram confiscados, esses potinhos tinham a mania de sumir. Entravam em uma espécie de buraco negro e sumiam. Ninguém conseguia explicar (e até hoje isso continua um enigma) para onde foram os potinhos desaparecidos. E por algum motivo ainda mais misterioso só sobravam as tampas.
Existiam algumas suposições, como por exemplo: “os potinhos se desmaterializaram”, ou “os potinhos criaram pernas e foram embora”, outras suposições eram mais fabulosas “os potinhos vivem felizes em um mundo paralelo, o mundo dos potinhos”. Seja como for, eles nunca mais voltaram para contar o que houve. Até hoje a república guarda o mistério dos potinhos sumidos. Na verdade, a república guardou e continua guardando vários mistérios.
Outro problema que ocorria dentro da cozinha da república diz respeito aos objetos quebrados. Frequentemente se quebravam canecas ou pratos que pertenciam a alguma moradora e na maior parte das vezes os restos mortais eram escondidos. Nessa situação era muito difícil identificar a culpada. A identificação só ocorria se alguém confessasse ou se houvesse alguma testemunha chave, que tivesse presenciado a quebra do objeto ou a tentativa de esconder o corpo. Na maior parte das vezes a culpada saia impune, o que gerava vários olhares de desconfiança e algumas discussões, por isso, quando você for morar em uma república evite usar objetos alheios (ou saiba muito bem como esconder os corpos) e prefira guardar as suas canecas no seu armário, assim você garante a vida de seus pertences.
Na república os objetos que geravam maior discussão na cozinha era o liquidificador e o Grill. Certa vez o liquidificador, que já era velho, quebrou. A dona do objeto ficou muito nervosa e exigia o conserto ou a compra de um novo liquidificador. No entanto, a maior parte das moradoras não aceitava, afinal quando o liquidificador havia chegado na república ele já era velho e não seria justo que a dona ganhasse um novo. Outras moradoras diziam que não iriam pagar porque nunca haviam usado o liquidificador. As queixas e reclamações duraram quase um ano. No final, foi pago o preço do conserto para a proprietária lesada e uma das moradoras comprou um novo liquidificador.
No entanto, os problemas continuaram ao ponto do liquidificador ser escondido ou seu uso ser proibido. Nessas situações, quem quisesse usa-lo precisaria conhecer as táticas de camuflagem, para que ninguém soubesse da ação, caso contrário receberia retaliações públicas.
O Grill também era um motivo de brigas e discussões. Geralmente ele era usado para assar uma carne vermelha ou um frango, mas na maior parte do tempo não era limpo ou recebia uma limpeza superficial. Ás vezes meu pão com manteiga do café da manhã ficava com gosto de bife ou de gordura velha. Frequentemente havia alguém resmungando por causa do Grill ou então apareciam bilhetinhos exigindo a sua limpeza. Alguns recados eram educados, outros demonstravam muita irritação e nervosismo, usando palavras que são proibidas em alguns locais.
Outra disputa diária dizia respeito ao espaço na geladeira. Imagine onze meninas disputando o espaço em duas geladeiras. Os embates eram perigosos e desafiadores e nem sempre o final era feliz. Em algumas situações, a comida ficava tão apertada dentro da geladeira que ela acabava se perdendo para sempre ou se misturando com outras comidas. Saber conviver com os problemas gerados pela falta de espaços na geladeira é essencial para quem deseja morar em uma república, mas esse tema será melhor tratado no quinto mandamento.
Os problemas que ocorrem na cozinha podem ser estendidos para a área de serviço, principalmente no que diz respeito ao uso da máquina de lavar. Para se conseguir lavar a roupa era preciso ter técnica e táticas. Era essencial ser ágil, pois se ficasse distraída com alguma coisa, ou então se caminhasse muito lentamente, perderia a vez na fila de roupa suja. E a fila era longa. Quando a máquina de lavar estava desocupada acontecia a corrida de cinquenta metros com cesto de roupa, que exigia agilidade e preparado físico, algumas moradoras eram imbatíveis nessa competição.
A melhor tática era a chamada “ação ninja”, na qual a moradora acordava de madrugada (ou então dormia bem mais tarde), para deixar a roupa dentro da máquina de lavar, enquanto as outras meninas dormiam. A moradora ninja colocava um bilhetinho dizendo que ligaria a máquina de manhã ou pedindo para a moradora do quarto de empregada ligar a máquina (na república existia um quarto que ficava na área de serviço, o qual havia servido anteriormente como quarto de empregada).
Caso a operação ninja falhasse, ou seja, se mesmo de madrugada já houvesse roupa na máquina, a melhor opção seria a operação “a próxima sou eu”, que consiste em colocar um bilhetinho sobre a máquina de lavar dizendo que será a próxima da fila. Mas esta operação exige um árduo treinamento em vigilância, pois era preciso estar atenta ao momento exato de finalização da lavagem. Um pequeno descuido e outras pessoas poderiam ocupar o seu lugar, essa era a chamada operação “gatuno”, a qual consistia em roubar o lugar do outro, muitas pessoas são PhD nesse tipo de ação.
Portanto, antes de ir morar em uma república é preciso treinar e se preparar bastante, além de aperfeiçoar as técnicas e conhecer novas táticas, assim se estará preparado para conseguir lavar a roupa sempre que precisar. Também é preciso estar preparado para o imprevisto, como por exemplo, as roupas que ficam estocadas dentro da máquina de lavar e não são estendidas no varal. Algumas moradoras tinham o costume de deixar a roupa na máquina, seja por preguiça, descuido, esquecimento ou algum outro motivo, e essas roupas atrapalhavam a próxima na fila da máquina de lavar.
Nessas situações cada pessoa agia de um jeito, algumas colocavam a roupa limpa nos baldes, outras deixavam em um canto da pia e a minoria estendia a roupa. Algumas vezes a roupa que estava limpa acabava se sujando, e de quem seria a culpa? Da proprietária das roupas que não foi estendê-las? Ou da pessoa que tirou a roupa da máquina? Várias foram as discussões para se tentar encontrar a culpada.
Outro ponto importante diz respeito ao sabão em pó, que às vezes acabava tão rápido que parecia que evaporava, assim como o amaciante. Apesar de na teoria cada uma das moradoras ter seus próprios produtos para lavar roupa, na prática nem sempre era assim e uma moradora acaba usando o produto da outra. Algumas meninas não se importavam muito, mas havia moradoras que abriam um inquérito para investigar e depois declaravam guerra à meliante. Para evitar represarias, evite usar o que não é seu, mas caso precise muito, saiba esconder muito bem seu delito (ou saiba correr muito rápido).
Depois das análises referentes às causas e conseqüências de não se lavar a louça e do uso impróprio da área de serviço, espero que você tenha conseguido perceber o risco que corre a pessoa que ousa desobedecer este primeiro mandamento.
Thaty, adorei a parte dos potinhos! A m4A sofria do mesmo problema! Também passamos por várias hipóteses: pernas, mundo paralelo, fim de relacionamento (com as tampas!), mas a verdade é que não conseguimos descobrir o que acontecia!
ResponderExcluirNossa, sobreviver numa república com 11 mulheres é algo que não consigo nem imaginar! Morei, no máximo com 5,e sei bem do que são capazes as mulheres! rs
Ah, eu era campeã dos bilhetinhos... principalmente para retirarem o cabelo do ralo do banheiro..
bjins pro c
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
ResponderExcluirFalá sério, agente se matava !!!
Eu ri muito da "corrida de 50 metros com o cesto de roupa suja nas mãos"... só faltava despencar da escada p ver quem conseguia chegar primeiro....kkkkk
Mas hj dá a maior saudade, até das brigas e implicâncias !!! kkkkkkkkkkkkkk
Bjos
Vê