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Mostrando postagens de abril, 2011

Lembranças

Conheci tantos lugares. Variados gostos, texturas e matizes. Senti diversos odores e sabores. Já possuí diversos corpos. Já experimentei diversos suores. Já mergulhei com vontade de nunca mais voltar. Já me perdi nos meus próprios pensamentos. Já caminhei muito. Tentei fugir dos problemas ou me esconder atrás da cortina. Já tapei os meus olhos na vã ilusão de que assim ninguém me veria. Já chorei ao ponto de secarem as lágrimas. Já senti o desespero que abafa toda a vontade de vida. Já gargalhei até quase não mais poder respirar. Já prendi o cabelo por preguiça de pentear. Já roí unha até não sobrar nada. Já bebi ao ponto da cabeça estourar. Já me escondi no quarto com medo do mundo Já dancei na chuva como se não houvesse amanhã. Já chorei baixinho, escondida atrás da porta. Já senti um aperto tão forte no coração, daqueles que bloqueiam qualquer sorriso. Já fiz papel de boba só para que ele sorrisse. Já conheci pessoas que me fizeram feliz pelo simples fato de existirem. J...

Bambolê

O bambolê girava de modo preciso. Pernas, braços, cintura, em uma sincronia impressionante. Um balé de cores, luzes e brilhos. A cada movimento mais ousado o público deixava de respirar, para em seguida soltar um suspiro de alívio. Aplausos, aplausos. Todos deslumbrados com a beleza do espetáculo. E por estarem preocupados demais com o rebolar dos bambolês, não foram capazes de perceber as lágrimas que faziam escorrer a maquiagem. Não repararam na tristeza daquele sorriso, no abandono daquele corpo envolto em bambolês.             Se alguém entrasse no teatro depois daquele espetáculo, observaria o silêncio dos aplausos, a escuridão das luzes e os vários bambolês coloridos jogados ao chão, enfeitando um belo corpo moreno.

Aquela Manhã de Sábado

- O que você está fazendo aí na calçada? Vamos entrar para tomar café. Acabei de comprar pão. - Já vou. Vou chamar os meninos. - Deixo-os dormir. Hoje é sábado e eles levantaram cedo todos os dias para ir à escola. Vamos tomar café só nos dois mesmos. A mesa do café estava pronta: manteiga, queijo, mortadela, café, quatro canecas brancas enfileiradas sobre uma bandeja, tudo sobre uma toalha florida. Eles se sentaram. O dia estava quente. A cozinha era bem arejada, com portas e janelas largas. A mesa de madeira se encontrava no centro, com oito lugares. Dividia o espaço com uma geladeira um pouco desgastada, um fogão antigo, uma pia cinza e um cheiro de casa antiga. Era possível se observar a imagem de um São Benedito pregada na parede. - O leite está na geladeira? - Está sim, já vou pegar para esquentar um pouco para mim. - Não esquente tudo, quero leite frio. - Claro, sei disso. Ah! Você viu que a Dorinha vai se casa. - Casar? Com quem? - Com o Dorival, claro. ...

Acontecimento

Abriu os olhos lentamente e ficou parada, como se precisasse buscar forças para se levantar. Olhou para o lado, ele dormia. Calmo. A respiração profunda. Aproximou o rosto da cabeça dele e respirou fundo, fechou os olhos, aquele cheiro continuava tão bom. Afastou-se. Vagarosamente foi se levantando, numa mistura de resto de sono e tristeza. Sentou-se com as mãos apoiadas no joelho, o corpo um pouco inclinado para frente, a cabeça baixa, observando os pés que tocavam o piso frio. Levantou a cabeça, olhou a sombra da árvore por trás da cortina. Como ela queria que tudo voltasse a ser como antes, que tudo voltasse ao normal. Passou a mão pelo seio, respirou fundo e se levantou. O quarto era amplo, havia espaço suficiente para ter o que quisesse. Sentia-se tão pequena no meio daqueles armários, cortinas, tapetes, poltronas, nada mais fazia sentido. Nem mesmo o conjunto de fotos sobre a prateleira. Quem eram aquelas pessoas? Não se reconhecia mais, não reconhecia mais nada. - Amor, acordada...